~~~~~ Filosofias Salgadas (Morto) | Oceano Pensante (Renatito) ~~~~~


domingo, maio 23, 2010
A percepção violenta da arte

Do amor nasceram grandes obras, bem como do ódio. São coisas assim, distintas por si só, as locomotivas que desesperadamente puxam vagões de meios-termos, aquelas efemérides do cotidiano. Isso tudo em estado catártico, narrando estatísticas de sujeitos comuns, traçando linhas tortas de um caminhar constante sobre o asfalto do dia-a-dia - o que bem poderia ser considerado como volátil realidade, o corriqueiro elevado a sua enésima potência.

Mas acontece que a percepção catalizadora de qualquer momento está fadada ao infinito do indivíduo. E como meus olhos jamais perceberão o mundo da mesma maneira que os teus, ou estamos loucos, ou temos de dar oportunidade e liberdade às observações alheias. A arte justifica-se como ponto de vista compartilhado, ao mesmo tempo expressão máxima do ego.

Não necessitamos de um aprofundamento específico em algum campo do conhecimento que nosso intelecto não seja capaz (ou não queira) interpretar: um soco na boca do estômago pressupõe uma força da contraparte que agride, não da vítima! Erga-se ao receber o golpe; não iluda-se sabendo que és forte, porque isso é ilusão: a comunicação nesse estado de pura arte não parte do princípio que o agredido irá reagir, mas que o tranco irá lhe proporcionar a vivência, a experiência. No próximo confronto o nocaute não será no primeiro round.

Em seu estado mais bruto, a arte é simples narrativa em palavras escritas, lidas, interpretadas ou simplesmente em execuções bem feitas do infindável desespero humano: aquele tempo entre o acordar e o afogar-se em sonhos.




quinta-feira, maio 13, 2010
O girassol

O tempo havia fechado, raios e trovões anunciavam uma tempestade logo ali à frente. Ela estava uma arara com o cara - não sem razão, tampouco coberta por essa. A coisa ia ser feia! Mas daí, um girassol: há rosas, margaridas, magnólias, tulipas, violetas, crisântemos, jasmins, copos-de-leite, uma variedade infindável de caules e pétalas, olores e cores. Mas, um girassol!

O girassol não é exatamente a finesse da flora: tem aquelas pétalas amarelas, mas são pequenas, não são proporcionais ao miolo; tem aquele caule longo como pernas de um flamingo verde e hirsuto; tem aroma de nada memorável e finalmente, tem suas sementes inexplicavelmente pretas-e-brancas – as quais algumas aves adoram, dentre elas, as araras...

Não foi o gesto de presentear em si ou a surpresa daquele galanteio pós-moderno: foi o inusitado ato de estender-lhe o braço segurando aquele apetrecho biologicamente peculiar e bastante interessante. E era inusitado, se era. Foi ao acaso, o girassol. Foi impensado, o girassol. Era totalmente espontâneo aquele girassol. Era mesmo! Era. Era mesmo... Era mesmo?

Um girassol não se cata assim, como se cata o vento ou um sonho bom numa noite de verão ameno. E aquela placidez quase cômica com que o olho dessa flor acompanha o sol tem um significado meio místico, meio comportamental também: a passagem do tempo, a temperança e a paciência. Num ciclo eterno enquanto dura, o girassol está ali, observando o mundo a sua volta e saudando a todos ao inclinar-se com a brisa.

O que quer que tenha acontecido, a mágoa maior que ele tenha-lha causado... Fora suplantado por um garboso girassol.




sábado, maio 08, 2010

Ano zero, em uma maternindade qualquer, mais um bebê nasce, com sua indefectível cara de joelho, braços e pernas inquietos e errantes, pulmões a toda - choro. Um ou outro parente invariavelmente diz que é a cara do pai, ou tem os trejeitos da mãe. Algum mais engraçadinho menciona certa semelhança com o leiteiro...

Desde a tenra idade até os três anos completos, a criança é aquele prodígio e constante motivo de orgulho e satisfação dos pais: todo o rastejar é louvável, os primeiro passos são errantes, mas precoces! E quando surge o balbuciar das primeiras sílabas, todos o vêem como um futuro radialista, locutor, político, um ditador dialético e apaixonado - bem, talvez não. Fato é que o desenvolvimento da criança foi normal: nem aquém, nem além; normal. Uma criaturinha alegre e cheia de vida, mas já se excluiu a hipotética genialidade.

Mais três anos e as aventuras acadêmicas começam. A pré-escola propõe o desenvolvimento do comportamento social do indivíduo ao mesmo tempo que destaca suas idiossincrasias primordiais: afinal, agora é possível que Joãozinho tenha seus colegas como parâmetros e perceba que comer cocô não é legal...

Dos seis aos nove anos, a criança será alfabetizada, aprenderá a contar, fará amizades - e talvez sejam aquelas realmente verdadeiras, as de uma vida inteira. Talvez, comece a perceber, outrossim, alguma incógnita correlação com o sexo oposto. Ainda inexplicável. Ainda incoerente.

Começa o turbilhão da puberdade e da adolescência: para os meninos, os banhos tornam-se mais longos, a voz falha, o corpo espicha. As meninas largam as brincadeiras de bonecas, às vezes têm vergonha do corpo e tornam-se, quem sabe, introspectivas. E, claro, há a primeira menstruação!

Temos depois os quinze anos: as meninas debutando e já com graciosas formas; os meninos já mais graúdos e com pêlos aparecendo em profusão exponencial em lugares incômodos e inconvenientes. A ansiedade da fase é perturbadora porque se vislumbra todo um horizonte e as relações interpessoais são exploradas ao máximo. Aprende-se, vive-se. Muito, muito!

Aos dezoito anos, muitos estão terminando o ensino médio. É aquela aflição de definir o que se quer fazer, que função exercer neste raio de sociedade? Talvez, aquele sujeito pense em tirar a carteira de motorista... Não, depois, melhor depois: primeiro concluo os estudos, daí de repente penso nisso. Por ora, melhor continuar indo de "busão"!

E numa noite qualquer, com a breve experiência, mas ao mesmo tempo carregando uma bagagem unicamente sua e condizente com seus vinte e um anos, morre ao encostar-se na parada de ônibus.






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