Do amor nasceram grandes obras, bem como do ódio. São coisas assim, distintas por si só, as locomotivas que desesperadamente puxam vagões de meios-termos, aquelas efemérides do cotidiano. Isso tudo em estado catártico, narrando estatísticas de sujeitos comuns, traçando linhas tortas de um caminhar constante sobre o asfalto do dia-a-dia - o que bem poderia ser considerado como volátil realidade, o corriqueiro elevado a sua enésima potência.
Mas acontece que a percepção catalizadora de qualquer momento está fadada ao infinito do indivíduo. E como meus olhos jamais perceberão o mundo da mesma maneira que os teus, ou estamos loucos, ou temos de dar oportunidade e liberdade às observações alheias. A arte justifica-se como ponto de vista compartilhado, ao mesmo tempo expressão máxima do ego.
Não necessitamos de um aprofundamento específico em algum campo do conhecimento que nosso intelecto não seja capaz (ou não queira) interpretar: um soco na boca do estômago pressupõe uma força da contraparte que agride, não da vítima! Erga-se ao receber o golpe; não iluda-se sabendo que és forte, porque isso é ilusão: a comunicação nesse estado de pura arte não parte do princípio que o agredido irá reagir, mas que o tranco irá lhe proporcionar a vivência, a experiência. No próximo confronto o nocaute não será no primeiro round.
Em seu estado mais bruto, a arte é simples narrativa em palavras escritas, lidas, interpretadas ou simplesmente em execuções bem feitas do infindável desespero humano: aquele tempo entre o acordar e o afogar-se em sonhos.