- Sente isso?
- O quê? Sinto o quê?
- Nada... Pensei ter ouvido um ruído estranho aqui...
- Ah! Isso. Eu ouvi também.
- O quê?
- Um ruído estranho.
- O estetoscópio tá na minha mão. Tu não escutaste nada. De que ruído falas?
- Ruído... Acho que é da construção daí da frente.
- Pois é... Obras da copa. Mas me preocupo com o que escutei dentro de ti.
- Gases. O último doutor me falou que eram gases. Eu disse que tinha dores no peito, ele jurou que eram reflexos do meu trato intestinal...
- Hum... Faz sentido.
- Faz, faz... Só se for pro senhor! Porque meu cu, a vazão de qualquer flatulência, está entre as nádegas. O que tenho nessa região é, no máximo, puxando pra baixo, um umbigo.
- O umbigo não é necessariamente um orifício...
- Bem como as obras da copa não fazem barulho. Porque elas não tem acontecido.
- E o que é o barulho que escutamos, então?
- Acho que, talvez, as tripas da cidade tenham-se rompido novamente. Sabe como é: gases...
Os cupins alimentam-se do meu armário como se minha casa fosse um restaurante tipo buffet livre. E "livre" no sentido de que podem repetir a refeição quantas vezes quiserem, além de que podem fazê-lo sem pagar por isso. Esse drama ocorre todo ano, assim que o verão começa a se manifestar. Tenho a nítida impressão de que a detetização é feita com vinagrete e algumas especiarias, porque nunca vi cupim gostar tanto de um armário já quase totalmente descarnado - já que os cupins do ano anterior, e dos anteriores ao anterior, fizeram banquetes portentosos. Lembro-me duma oportunidade dessas, na festinha dos cupins, em que, inclusive, acabei por me apaixonar por uma cupinha. Infelizmente, não deu certo. Não que fosse um caso de verão, apenas, mas porque ela foi fazer uma boquinha na casa do vizinho e parece que lá, o veneno funciona...
Enfim, essas coisas me deixam meio triste, sabe? O verão, os cupins, um amor desfeito porque na casa do vizinho o veneno aplicado nos móveis é de verdade. Mas, além disso, me incomoda bastante o fato de que a empresa que fez a aplicação do veneno ter cobrado o olho da cara (e sabe-se lá mais que outro olho), ter "garantido" a eficácia do tratamento na madeira e que, quando vamos atrás dos sujeitos cobrando explicações do comportamento equivocado dos insetos - veja que o veneno está funcionando, são esses malditos mascadores de pinho que, de fanfarrões, se fazem de desentendidos e teimam em não morrer -, eles eximem-se de qualquer responsabilidade.