Àqueles que assistiram “Watchmen” (2009) de maneira inadvertida, o entendimento do roteiro não foi comprometido pela ausência de um dos elementos mais elegantes da “graphic novel” de Alan Moore: a inserção de uma outra história dentro do próprio enredo, que se não afeta sobremaneira os acontecimentos principais da trama, muitas vezes justifica algumas ações dos “Minutemen” e seus anti-heróis epígonos. Me refiro a “Os Contos do Cargueiro Negro” (Tales of The Black Freighter, 2009).
Lançado diretamente em DVD, “Os Contos do Cargueiro Negro” remediou o que foi, talvez, a maior queixa daqueles fãs mais “xiitas”, que haviam criticado sua supressão na adaptação de “Watchmen” para o cinema. Trata-se de uma narrativa feita em paralelo com a trama principal e que tem como observador um garoto que habita o mundo fantasioso da HQ: esse menino costuma folhar uma revistinha em quadrinhos que conta a história de uma embarcação atacada por uma fantasmagórica nave pirata e do único sobrevivente daquele barco abatido; seu capitão.
Após dias à deriva, o náufrago chega a uma ilha deserta, juntamente com os destroços de seu desafortunado navio e os corpos (ou o que sobrou deles) de sua tripulação. Ser o único sobrevivente ao ataque, faz-lhe questionar os seus valores, seus ideais, sua missão. Assim, a decisão de retornar à terra-natal e proteger sua mulher e suas filhas urge iminente – pois o desenrolar da narrativa revela que o destino do Cargueiro Negro era Davidstown. Sem materiais suficientes para construir sequer uma canoa, o capitão se vê obrigado a viajar em companhia de sua estimada tripulação uma última vez, mas agora usando-os como matéria-prima de um tétrico bote, já que os gases em seus corpos putrefatos proviam alguma flutuação.
A viagem de retorno ao lar é atormentada por diversos infortúnios e alucinações, causadas principalmente por sede e fome. A partir daí, a história segue com mais algumas reviravoltas e questionamentos que remetem novamente ao paralelismo com o enredo de “Watchmen”.
Muito embora “Os contos do Cargueiro Negro” por si só não faça jus a um filme de duas ou três horas de duração, a produção desse desenho animado, quase um “spin-off” da história principal, veio para abrandar algumas daquelas almas atormentadas pela ausência de pelo menos uma homenagem “In memoriam” ao capitão, que tão humanamente eviscerou as angústias vividas pelos mascarados de Alan Moore e por alguns de seus leitores.