A manhã deveria ser abolida. Tudo o que acontece de importante de fato toma corpo ou depois do meio dia, ou depois de dia e meio. O almoço é um benção talvez porque divida o dia em antes e depois dele e a noite, bem... A noite é sagrada: ou porque se dorme, ou por causa da diversão. Agora, manhã? É difícil ver alguém que tenha de acordar cedo pra ir pro trabalho ou escola, contente com essa situação. E não é porque tem de se fazer essas coisas, ledo engano: é culpa da manhã! É na manhã que se acorda de ressaca; é na manha que a imagem no espelho é uma afronta à estética; é de manhã que o rádio relógio não perdoa, que o ônibus anda mais rápido - antes de chegares à parada - e mais devagar - se estiveres dentro dele e em pé (hum... essa frase certamente pode ser mal-interpretada...)
Suponhamos que alguém precise ir ao banco de manhã. O banco abre somente às 10h. Então, o sujeito acorda às 7h, toma um café, lava o rosto, toma um banho, vai até o banco e... Ainda está fechado. Olha para o relógio: 9h15. Tomar outro café não dá: já está de bucho cheio. O que se faz, então? Compra um jornal e senta-se no banco de uma praça, pra matar algum tempo. Claro que como em toda praça, há pombos e quando há praças e pombos, existe também aqueles que os alimentam - seria mais ou menos como dar mingau para os ratos, mas as pessoas realmente ficam encantadas com criaturas que voam (mesmo que nesses voos elas caguem por cima de tudo). E aquele wannabe de Ícaro resolve puxar conversa com o sujeito:
- Lindo dia, não?
- É...
- Está lendo jornal?
"Não, imbecil, estou verificando o conteúdo das reportagens pra ter certeza que quando eu for ao banheiro, minha bunda não fique ofendida." Claro que se alguém tivesse o espírito de porco necessário para responder dessa forma, a conversa seria abreviada ali, mas é raro que alguém tenha tamanho bom senso. De qualquer forma, o papo vai fluindo insuportavelmente até que o sujeito lembra-se que ele não está ali pra falar da "congestã da tia Adroalda" e sim pra ir ao banco, pagar aquela conta vencida há dois meses. Sai correndo em direção à porta da instituição e quando já está quase chegando, um pombo carimba-lhe o ombro. Enquanto sobe as escadas, olha pro relógio: 10h30. Mais tranquilo, vai subindo mais vagarosamente, mas daí quando dá de cara com a fila...
E assim se vai o resto da manhã. E como ela é curta, a sensação de perda é irreparável. Tem-se o dia inteiro pela frente, mas e aquelas preciosas horas que se perdeu? Ó! Irrecuperáveis. Todo aquele incidente do tiozinho e das pombas poderia ser relevado, fosse às 14h. Mas, de manhã? Não, de manhã foi apenas tempo perdido porque se pensa imediatamente no que há de melhor em se fazer durante a manhã: dormir. Sim, aquele atraso todo, aquela aporrinhação, até o leite azedo que se encarou e só vai se perceber quando o estômago começar a revirar feito uma máquina da Lav-&-Lev: tudo isso teria sido evitado se se tivesse ficado dormindo. Ou se a manhã nunca chegasse. Ou, que se foda, que ela não existisse...
PS: Eu só escrevi essa merda porque não consegui dormir... E já amanheceu. Se a manhã não existisse, esse "textículo" de merda jamais teria visto essa maldita luz do sol...