Sabe, quando a gente nasce? Eu não tenho bem certeza, posto que a a lembrança mais tenra da minha infância é meu aniversário de 10 anos - sério mesmo: e só lembro por causa do bolo, que tinha uma pista com confeitos e motinhos disputando uma corrida alucinada rumo aos estômagos roncantes dos que circundavam a mesa. Mas a gente nasce e os familiares nos enxergam com aqueles olhos promissores e famintos por nossas vitórias.
Brabo mesmo é quando o sujeito chega e diz: "-Pssssss... Pronto pessoal! Virei mindingo..." Cara, tu vais dizer o quê pro sujeito? Ele tá errado? Tá certo? Tá fudido, certamente, mas isso não vem ao caso. Tornar-se mendigo é uma decisão difícil. Pode ser que o Ciclano nunca tenha tido nada, daí fica mais fácil de entender, embora a mendicância seja a evolução natural da coisa e isso acaba tirando um pouco o babado do rebolado. Agora, o sujeito que vislumbrou o nirvana da sociedade consumista, aquele Zé Mané que soube o que era estudar nos melhores liceus, usando sempre material didático de primeira... Vais dizer o que prá ele? Definitivamente, é alguém decidido!
"Quem planta o que quer, colhe o que não quer", diz o ditado, mas se eu plantar cana de açúcar, terei a cachaça no futuro. E, numa dessas, na onda da energia verde e biocombustíveis, hei de me tornar o sultão do etanol. Claro, com o que sobrar da canha...
Mas, bem da verdade, é difícil entender quando alguém abandona a mínima perspectiva possível, aquela centelha que de uma hora para outra se tornava chama. Sem os gatilhos óbvios - grandes perdas; de amigos ou parentes ou ambos - o que faz qualquer um abandonar qualquer significado e tentar manter-se vivo, mesmo assim? A falta de significado é óbvia - e totalmente verossímil -, mas será só o instinto a manter os faróis acesos?
Eu não tenho qualquer opinião a esse respeito, porque concordo com a ausência explícita de significados. Também não sei o ideal do "carpe diem". Só que, atualmente, minhas lembranças vão muito além das motinhos e do bolo de aniversário, mesmo que o brilho no olhar dos meus parentes já não seja assim, tão óbvio...