Aquele maldito aparelho celular - em sua função "despertador" - abreviava mais uma maravilhosa noite de sono. E ele olhava para o aparelho e pensava: "Só não o atiro pela janela porque essa tralha não sente dor". Bendita, pois, a tecla de soneca, que lhe permitia mais dez minutos de sossego - e o fim de seu ímpeto defenestrador.
E no reino dos sonhos - novamente -, tinha fantasias carnais com sua Vênus de Milo. Coisas que aquela boca fazia, nenhum livro de anatomia jamais ousara supor... Mãos, seios, coxas (e entre-coxas), tudo era visualizado, tocado e experimentado. Até que o tempo acabou, de novo... Mas a tecla de soneca, apesar da alcunha, trabalha duro e sem descanso, e mais dez minutos lhe foram concedidos.
Dentro de seu Porsche, ao lado de Morfeu, o sujeito guiou por uma autobahn infinita e sem tráfego. O carro estava sem controle mas jamais perdeu-se em uma curva sequer. O ronco do motor lhe mostrava que o giro estava altíssimo e a mais de cento e cinquenta por hora, era possível fazer as curvas mais fechadas. Até que o intransigente aparelinho deu o ar de sua graça mais uma vez...
Com cara amarrada, deu seu braço a torcer de que já era tempo de pôr os ossos em ponta. Se arrastando, foi até o banheiro jogar água fria no rosto. Já na cozinha: pão de forma com manteiga e café com leite para aplacar a fome. Dentro do ônibus, indo para o trabalho, estava indignado com sua condição desperta (ainda mais vendo seus semelhantes na mesma barca), mas e o que se podia fazer? Precisava de seu soldo para pagar o aluguel do apartamento, que, por consequencia, era o santuário do seu colchão. O que lhe trazia certa satisfação, afinal sabia que aquele seu mundinho real agia como antagonista do onírico: tudo o que não podia ser, tudo o que não podia ter, eram reflexos de sua boa-ventura - enquanto mantivesse os olhos fechados.