Saí de casa por causa do tédio. Aliás, o dia estava muito bonito para se ficar em casa, por outro lado. Enfim, quaisquer que fossem os motivos, saí. E tropeçando por aí, acabei num parque. Sentei-me para descançar. O ar estava fresco e agradável - a sombra de um enorme ipê me acariciava. Ao meu lado acomodou-se um senhor, já bem idoso, de aparência cansada e doente, mas muito simpático. E conversador como só ele!
- Lindo dia, né filho?
- Sem dúvida! - respondi
- Sabe, é difícil acontecer algo assim hoje em dia...
- Algo assim... Como? Acho que não estou entendendo...
- Na verdade - prosseguiu - você está me entendendo perfeitamente, melhor do que ninguém o fez ultimamente. E é justamente sobre isso a que me refiro: conversar, ouvir, conhecer gente de verdade. Quando digo que é difícil acontecer algo assim, é porque as pessoas têm medo umas das outras - e não sem razão, pudera. Sentar num parque e conversar com um total desconhecido é quase uma incúria, ou como se diz, um pedido ao ladrão.
O senhor tinha uma conversa envolvente. E sorria. A cada frase, notava-se um lampejo jovial em seus olhos, apesar de sua decrepitude. Conversamos sem contar o tempo. De fato, eu mais escutei do que falei qualquer coisa. Não era necessário: os comentários daquele velho, passado e presente de uma imensa história, eram completos por si só e não davam espaços para contra-argumentos. A sabedoria encarnada.
Ela falava sobre política, futebol, mulheres... Falava com paixão sobre tudo o que vivera. Era único em sua narrativa, mas não que essa fosse singular: a história dele era a mesma de muitos, a mesma de todos nós. E ele era sábio, sem dúvida. De vez em quando parava, olhava em volta, como que refletindo sobre a vida, e tornava a contar suas tragédias e venturas.
Falou sobre sua infância também. Através de sua narrativa, não se podia definir ao certo se fora rico ou pobre. De certeza mesmo, apenas que fora feliz.
Quando já do final da tarde, depois de um breve silêncio, perguntei-lhe o nome, pois que até então não se havia feito necessário apresentações. Ele me olhou nos olhos e falou:
- Filho, eu ainda existo porque sou grande. Muito em breve eu posso desfalecer, mas tenho esperança de que subsista um pouquinho de mim em corações e mentes abertos e dessa forma serei eterno - mesmo que com menos força, ainda mais fraco do que por ora. Quando uma pessoa conta sua história eu estou presente, quando alguém batalha por direitos tácitos a qualquer cidadão também e quando nos conformamos com algo irremediável, infelizmente, lá estou eu novamente. Que fique claro: nem sempre estou certo, mas possivelmente sou levado em conta todas as vezes. Me chamo
inconsciente popular...
Dei um pulo do banco e percebi que cochilara. Toda aquela história era fantástica e maravilhosa demais por ser verdadeira. Me pus de pé, a caminhar de volta para casa. E pensando com meus botões: "A voz do povo é a voz de Deus!"