Com o passar dos anos, a gente perde a fantasia da infância e esquece de como é bom ter ilusões. Com o passar dos anos, é necessário ser responsável, e conseguir um emprego, e ter uma família, e ter como se sustentar e a seus protegidos... E esquecer das fantasias em definitivo.
Vamos martelando isso, sempre. Temos que nos convencer, e por isso repetimos diversas vezes: responsabilidades, amadurecimento, emprego, dinheiro... E assim vamos tendo a impressão do nosso desenvolvimento pleno. Essa lavagem cerebral constante que permite que nos esqueçamos de como é bom ter ilusões, do quanto é bom ter um lado criativo e do quanto as pessoas e esse mundo tão real e palpável podem ser cruéis...
Eu nunca parei para pensar nisso, mas acho que eu sempre quis estar além do meu presente. Aquela coisa de pensar que o futuro reserva algo melhor. Eu pensava assim na infância e ainda o penso agora - isso poderia ser até um bom sinal, o de que eu não saí realmente da infância, se a realidade implacável não me provasse o contrário.
É duro ter que enfrentar a vida real, mas pior do que isso é ter de enfrentá-la sem esperanças, sem ilusões e fantasias. E quando se nota que nunca realmente as tivemos, isso torna a rocha ainda mais sólida. Dai, corremos desesperados em sentido contrário, num resgate, nem sempre possível, das coisas boas e decentes que deixamos pra trás. A experiência do dia-a-dia é válida, mas não sem nossas impressões pessoais: essas fantasias infantis.
Qual o problema em encarar o mundo tão negro quanto ele é, mas com nossas lentes em matizes coloridos? Se o mundo não é justo, ou se ele é sem graça, devemos então agir como juizes e como artistas para torná-lo um lugar melhor. E não adianta negar as ilusões: elas existem e devem ser respeitadas, porque são reais!
O que dá medo é simplesmente seguir em frente, sem saber ao certo o porquê disso. Dá medo acordar e pensar pura e simplesmente, no lado racional das coisas. Somos passionais, sentimentais e potencialmente sonhadores. Mas agimos como matemáticos tentando explicar o que é Deus. Até quando vamos olhar para as crianças e ver apenas um potencial? Já fomos crianças e, quando desse tempo, imaginávamos o mundo de uma maneira muito melhor do que ele realmente sempre fora. Na verdade, a criança não é um potencial: a criança é o ideal de todos. Como adultos, deveríamos ser mais infantis, e resgatar as ilusões e as artes que abandonamos com a emancipação que uma vida de responsabilidades nos impõe.
Eu sempre quis ver o futuro. Agora, tenho vontade de rever o passado...